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Fazer o certo na hora certa

Conceitos atuais em vacinação de gado leiteiro: qual é a vacina certa e o momento certo de aplicá-la?

Fazer o certo na hora certa

Edição #96 - Março/2017

FAZER O CERTO NA HORA CERTA

Conceitos atuais em vacinação de gado leiteiro: qual é a vacina certa e o momento certo de aplicá-la?

RESPOSTA IMUNE

O sistema imunológico consiste em três linhas de defesa: barreiras, imunidade inata e imunidade adaptativa ou adquirida (Figura 1), que trabalham juntas para dar proteção às vacas contra doenças.

Pele & membranas mucosas e secreções
Barreira, superfícies de regeneração rápida, movimento peristáltico, transporte mucociliar, vômitos, fluxo de urina/ lágrimas, tosse, lisozima, secreções sebáceas/ mucosas, ácido estomacal, organismos comensais.

Defesa celular, citocinas e proteínas
Interferons, defensinas, quimiocinas, citocinas (pró-inflamatórias e estimulatórias T), proteínas de complemento, TLRs (receptores do tipo Toll), fagocitose, células Natural Killer.

Defesas celulares e humorais
Anticorpos, citocinas, quimiocinas, células T auxiliares, células T citotóxicas.

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Figura 1: Linhas de defesa do sistema imunológico

O sistema de barreiras é, provavelmente, o mais negligenciado, mas é responsável pela eliminação de 99,9% de todas as infecções. Este sistema é muito suscetível à desidratação e mudanças nas populações microbianas.

O sistema inato é o primeiro a ser ativado, e responde quase imediatamente (Figura 2). A resposta adaptativa ou adquirida ocorre de 10-14 dias após o estímulo do sistema imune.

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Figura 2: Imunidade inata e adaptativa

O sistema imunológico é regulado pela resposta antiinflamatória, para evitar que a mesma seja exagerada. O efeito cumulativo desta resposta é suprimir o sistema imune e direcioná-la para longe da memória imunológica. Ao mesmo tempo, a expressão excessiva de mediadores (citocinas) pró-inflamatórias, a partir de agentes infecciosos, problemas ligados à ingestão de alimentos (acidose, cetose) e estresse podem resultar em disfunção imune e em um sistema imunológico super reativo, que pode causar doenças.

A INTERFERÊNCIA MATERNA QUE NUNCA DESAPARECE

As vacinas vivas modificadas têm sido utilizadas devido à sua boa resposta na produção de anticorpos, maior duração da imunidade, menor número de doses necessárias por animal e menor custo. Estas vacinas são administradas por via intramuscular, intranasal ou subcutânea. Como base para estabelecer uma boa resposta imune, elas são as melhores. Entretanto, embora o retorno à virulência tenha sido mínimo, mutações podem ocorrer e há algum risco de surgimento de novas cepas. Também não são eficientes para reforço vacinal, porque sistema imunológico do animal não pode diferenciar entre uma infecção natural ou o vírus da vacina.

As vacinas inativadas contêm bactérias, toxinas e/ ou vírus, tratados quimicamente ou fisicamente, para que não haja perigo de replicação, no animal vacinado, do agente patogênico ou dos agentes externos presentes nas vacinas vivas. As vacinas inativadas geram respostas mediadas por células. Os adjuvantes aumentam o alcance e a duração da imunidade conferida pelo vírus inativado. Mas, elas apresentam algumas desvantagens, incluindo custo e um maior número de doses necessárias por animal. Curiosamente, há ampla evidência de que as vacinas inativadas podem efetivamente reforçar as vacinas vivas inativadas. Alguns esquemas de vacinas sugeridos estão listados no Quadro 1.

QUADRO 1 Exemplo de esquema de vacina

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ESTRESSE E IMUNOSSUPRESSÃO

Há bastante evidências de que tanto a angústia física como psicológica podem causar disfunção imunológica em animais, levando a uma maior incidência de doenças infecciosas. Excesso de calor ou frio, aglomeração, agrupamentos, desidratação, desmame, parto, restrição alimentar, transporte, ruído e contenção são fatores causadores de estresse, frequentemente associados à produção animal intensiva, e têm demonstrado influenciar a função imune em rebanhos leiteiros. Também se mostrou que o status social, a genética, a idade e a duração do estresse (crônico vs. agudo) são importantes na resposta do animal ao mesmo. Há evidências claras de que esperar, pelo menos, dois dias e, preferencialmente, duas semanas após o evento estressante, antes de aplicar a vacina, resultará em melhor imunidade e menos doenças.

INFLUÊNCIA NUTRICIONAL NA IMUNIDADE

O sistema imunológico não aceita “carona” quando o assunto é nutrição. Este sistema requer energia, proteínas, vitaminas e minerais. Tanto a desnutrição quanto a superalimentação podem resultar em comprometimento da função imunológica e aumento da susceptibilidade às doenças, devido a uma deficiência ou excesso de proteínas ou calorias, ou a um desequilíbrio relativo no conteúdo de vitaminas ou de minerais.

Os animais sob condições de produção intensiva têm, tipicamente, uma dieta completamente controlada. Portanto, é muito importante que a dieta, especialmente em relação ao conteúdo de vitaminas e minerais, seja formulada de forma ótima. Vitaminas e minerais-chaves para a função imunológica incluem as vitaminas A, C, E e as do complexo B; cobre (Cu), zinco (Zn); magnésio (Mg); manganês (Mn); ferro (Fe) e selênio (Se). Destes, zinco, cobre e selênio são os “microminerais do sistema imune”. O equilíbrio destes elementos é especialmente importante, uma vez que o excesso ou deficiência de um deles pode influenciar a disponibilidade ou exigência de outro.

O zinco está envolvido na síntese de proteínas e na formação de anticorpos, na diferenciação celular e na formação e função enzimáticas. Também desempenha um papel importante na integridade da pele e das mucosas, a primeira linha de defesa do sistema imune. Além disso, é essencial para respostas imunes inatas. O cobre e o manganês estão diretamente envolvidos com a imunidade mediada por células e o processo de cicatrização.

O cobre tem sido associado à capacidade dos neutrófilos isolados de matar leveduras e conter infecções bacterianas. O selênio, é um antioxidante essencial. Já o manganês, desempenha um papel facilitar para as células de defesa (especialmente os macrófagos) desempenharem sua função de matar agentes causadores de doenças.

IMUNIDADE, BALANÇO ENERGÉTICO NEGATIVO, MICROFLORA E TEMPESTADE DE CITOCINAS

O sistema imunológico é um grande consumidor de energia e, tempos de energia negativa, como o desmame e o pós-parto imediato, podem ser desafiadores para a imunidade. Além disso, a mobilização de energia do tecido adiposo (gordura), comum nesses períodos de balanço energético negativo, resulta em ativação de células de defesa (macrófagos) e inflamação. As mudanças na dieta, também características do desmame e pós-parto, causam mudanças na microflora do sistema digestivo, com alterações populacionais consideráveis. Esta combinação de remodelamento adiposo, ativação de células de defesa e microflora, pode resultar em uma tempestade de mediadores inflamatórios (citocinas), como mostrado na Figura 3.

Uma tempestade de citocinas (hipercitocinemia) é a expressão de um sistema imunológico saudável e vigoroso, resultando na liberação de mais de 150 mediadores inflamatórios conhecidos. Mas, é uma reação exagerada. Acredita-se que as tempestades de citocinas foram responsáveis por muitas das mortes humanas durante a pandemia de gripe espanhola, em 1918. Os resultados preliminares de pesquisas também indicaram as tempestades como a causa provável de muitas mortes durante a epidemia de SARS, em 2003, e de gripe aviária H1N1, em 2009. 

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Foto: A prática comum de vacinar as vacas no pósparto (15-45 dias de lactação) causa um desafio imunológico para os animais, devido ao balanço energético negativo, associado às altas demandas de energia e à baixa ingestão de matéria seca, tipicamente observadas nesse período.

QUAL É O MELHOR MOMENTO PARA VACINAR?

IMUNIDADE NO PRÉ-PARTO

Algumas alterações nos mecanismos de defesa das vacas, que ocorrem durante o pré- parto, estão associadas a mudanças nos perfis hormonais e ao estresse metabólico e fisiológico do parto. A adaptação do sistema imune e do mecanismo de resistência inata das vacas leiteiras, geralmente, começa três semanas antes do parto, e é maximizada três semanas após a parição, quando o equilíbrio entre o pico de produção de leite e o balanço energético começa a melhorar. Essas mudanças podem contribuir para a alta incidência de doenças e a baixa resposta imunitária à vacinação, experimentadas pela vacas no periparto.

As alterações hormonais no final da gestação são bem conhecidas, e caracterizadas por níveis circulantes mais elevados de estrogênio, progesterona e cortisol. Estes hormônios podem diminuir a função do sistema imunológico. Altas concentrações de estrógeno, por exemplo, podem reduzir a função dos neutrófilos, e níveis elevados de progesterona podem suprimir a função dos linfócitos. O cortisol produzido nas glândulas adrenais do feto pode afetar a resposta mediada por células na vaca.

IMUNIDADE NO PERÍODO PÓS-PARTO

A prática comum de vacinar as vacas durante no pós-parto (15-45 dias de lactação) causa um desafio imunológico para os animais, devido ao balanço energético negativo associado às altas demandas de energia e à baixa ingestão de matéria seca, tipicamente observadas nesse período. A exigência de energia pelo sistema imunológico torna-se uma demanda secundária, quando comparada com a lactação, gerando uma queda na função das células de defesa.    

Em trabalhos realizados por nosso grupo, verificou-se que a produção e a eficiência reprodutiva, bem como os índices de mastite, apresentaram melhoras significativas em vacas vacinadas no pré-parto, em comparação com o pós-parto.

A maior parte das vacas leiteiras de alta produção (e cerca de 30% de todas as vacas leiteiras) sofre de cetose subclínica durante o período pós-parto, quando elas são incapazes de consumir energia suficiente para atender às suas demandas, causando o balanço energético negativo. A patogênese deste fenômeno é explicada pelas mudanças metabólicas que ocorrem quando a ingestão de nutrientes, particularmente de energia, não atende às demandas de produção. Em vacas de alta produção, este distúrbio metabólico ocorre, geralmente, de poucos dias até seis semanas após o parto, com a maior concentração por volta de três semanas pósparto. Vacas em balanço energético negativo utilizam reservas de gordura e proteína corporal devido a uma queda na concentração de glicose no sangue (glicemia). Quando as moléculas de gordura atingem o fígado, elas são convertidas em cetonas e elevam os níveis de corpos cetônicos no sangue que, por sua vez, prejudicam a resposta imune das vacas. Há uma ligação entre níveis elevados de corpos cetônicos e o risco de mastite. Além disso, a cetose subclínica resulta em aumento da produção de mediadores inflamatórios, gerando a tempestade de citocinas, já explicada anteriormente. O fato da cetose subclínica estar presente em quase 30% das vacas leiteiras recém-paridas sugere que a vacinação durante este período, provavelmente, não é a melhor abordagem, devendo a mesma ser feita durante o período seco.

Existem também evidências de que as vacas selecionadas para altas produções de leite apresentam menor capacidade funcional do sistema imunológico. Há uma grande variação genética nas características imunológicas, entre os touros de alto mérito para a produção de leite.

Outra consequência dos distúrbios alimentares das vacas no periparto é o fígado gorduroso, consequência da síndrome da vaca gorda. Após a vacinação, as vacas supercondicionadas (gordas) têm menor resposta imune (humoral e celular), quando comparadas com as magras e sem acúmulo de gordura no fígado.

As vacas no período de transição enfrentam, ainda, frequentemente, um desafio associado a baixos níveis de minerais, que ocorre devido à baixa ingestão de matéria seca e o estresse, que provoca a excreção desses elementos. São preocupantes as deficiências em zinco, cobre, cromo, manganês, cobalto e selênio. A influência desses minerais sobre a imunidade foi discutida acima.

CONCLUSÕES

A vacinação é um componente extremamente importante para a prevenção e controle de doenças no rebanho leiteiro, desde que seja escolhida a vacina certa e sua aplicação seja feita no momento certo.

O periparto (três últimas semanas antes do parto e três primeiras semanas após o parto) é um momento inadequado para a vacinação, pois fatores hormonais, alimentares e metabólicos limitam a resposta imunológica. O pós-parto imediato também é um momento complicado para as vacinações, já que a demanda de energia para a lactação supera aquela destinada à imunidade.

Cada programa de vacinação precisa ser baseado no fluxo de animais, ameaças reais de “doença” e mão de obra na fazenda.

AGRADECIMENTOS

Uma parte desta análise faz parte da tese de mestrado do Dr. Nicolas Arias Villegas.

Os autores declaram não haver conflito de interesses

Christopher C.L. Chase
Department of Veterinary and Biomedical Sciences South Dakota State University, USA
Nicholas Arias Villegas
Department of Veterinary and Biomedical Sciences South Dakota State University, USA Monsanto, Torreon, Mexico

 

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