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Manejo, Nutrição, Sanidade

Problemas de casco em vacas leiteiras

O processo de formação do casco pode ser comparado à construção de um muro. Saiba como garantir a qualidade dos “tijolos” e do “cimento”

Problemas de casco em vacas leiteiras

O processo de formação do casco pode ser comparado à construção de um muro. Saiba como garantir a qualidade dos “tijolos” e do “cimento”

INTRODUÇÃO

A nutrição é essencial para manter o equilíbrio e a homeostase de todo o organismo. O funcionamento correto de órgãos e tecidos depende sempre do aporte apropriado de nutrientes. E não é diferente para o sistema locomotor e a saúde dos cascos. Por isso, a nutrição é tida como uma das ferramentas mais importantes para o controle das doenças de casco. Essas afecções são responsáveis por mais de 90% dos casos de claudicação, e, para evitá-las, o primeiro passo é a formação de um tecido córneo de boa qualidade e com resistência adequada. Isso é determinado, principalmente, pelos processos de queratinização e cornificação, quando a nutrição tem seu maior impacto.

FORMAÇÃO DO CASCO 

O casco funciona como uma barreira que protege os tecidos internos e transmite o peso do animal entre o esqueleto e o solo. Para que exerça a sua função apropriadamente é necessário que tenha qualidades diferentes em cada uma das partes que o compõe. Por exemplo, casco duro não é sinônimo de boa qualidade. Ele tem que ser duro em algumas partes e flexível em outras.

O casco começa a ser formado a partir do córium, a parte “viva” que contém uma rica rede de vasos sanguíneos e capilares. Esta estrutura auxilia na chegada de nutrientes até a epiderme por meio de difusão e também promove a exposição aos hormônios, que modulam e controlam a diferenciação celular na epiderme e o processo de queratinização.

A manutenção deste processo é fundamental para a produção de um casco de boa qualidade e dependente de aporte nutricional constante. 

Células altamente especializadas produzem queratina, uma proteína rica em cisteína e outros aminoácidos sulfurados, que formam as pontes dissulfeto e dão resistência ao casco. À medida que o processo de queratinização avança, a formação dessas pontes é acelerada e os filamentos de queratina se entrelaçam, proporcionando a dureza e estabilidade química.

Ao final da queratinização, o interior celular está totalmente preenchido por filamentos de queratina. Neste ponto, as células morrem e formam um bloco estrutural que é ligado a outro por uma substância denominada cemento. Por esse motivo, a formação do casco é comparada à construção de um muro de tijolos. Em vacas saudáveis, isto resulta em uma taxa de crescimento mensal da sola dos cascos em torno de 0,4 a 0,5 cm por mês, mas que pode variar em decorrência da nutrição, estado fisiológico, idade, ambiente e estação do ano.

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Figura 1. Estruturas do casco

EFEITO DOS NUTRIENTES SOBRE A SAÚDE DOS CASCOS 

Os cascos estão em constante processo de renovação, com desgaste da parte externa e produção de tecido novo. Isso exige que os nutrientes necessários para a sua formação cheguem a todo momento na junção derme/ epiderme. Do contrário, é produzido tecido córneo de qualidade inferior, mais susceptível a doenças, resultando em prevalências maiores de claudicação.

Os principais nutrientes para a constituição de um casco de boa qualidade são os aminoácidos sulfurados (cisteína, histidina e metionina), ácidos graxos, minerais (em especial cálcio e microminerais como o zinco) e vitaminas (em especial a biotina). Além da composição nutricional da dieta, outros aspectos do manejo alimentar também influenciam na saúde dos cascos, como espaço de cocho, mudança na formulação, principalmente durante o período de transição, quantidade de proteína, carboidratos fibrosos e não fibrosos e tamanho da fibra.

LAMINITE

Laminite, ou pododermatite asséptica difusa, é um processo inflamatório não infeccioso do córium, o tecido que forma o casco. Devido à inflamação, o processo de queratinização é prejudicado, com consequente produção de um tecido córneo de pior qualidade e menor resistência, tornando o casco mais macio, quebradiço e mais propenso às doenças.

A etiologia da laminite é complexa, multifatorial, e ainda existem muitas dúvidas sobre ela. Vários estudos demonstram o potencial de substâncias para alterar a perfusão sanguínea do casco e provocar a inflamação do córium. Essas substâncias são produzidas pelo organismo da vaca nos quadros de acidose ruminal, metrite e mastite, ou em casos de traumas diretos nos cascos provocados por pedras, pisos duros e abrasivos.

Geralmente, os casos de laminite aguda são raros em bovinos, sendo a maior parte classificada como laminite subclínica. Nestas situações, são observados cascos mais macios, com coloração amarelada, hemorragias na sola e linha branca, e aumento da incidência de doenças, como úlcera de sola, sola dupla e doença da linha branca.

ESCORE DE CONDIÇÃO CORPORAL E PROBLEMAS DE CASCO

O coxim digital é uma estrutura formada, principalmente, pela gordura (tecido adiposo) que fica nas extremidades dos membros dos bovinos. Sua função é amortecer o impacto entre o solo e o osso dentro do casco, protegendo o córium de trauma por compressão. Quando o coxim digital não consegue exercer sua função adequadamente - por estar mais fino ou quando os desafios ambientais são muito grandes, a exemplo de quando o animal tem que permanecer de pé durante longos períodos em pisos de concreto -, podem surgir lesões como úlceras e hemorragia de sola e doença da linha branca.

A condição corporal está diretamente ligada à espessura do coxim digital, pois, quando ocorre mobilização de tecido adiposo, a gordura presente também é quebrada para servir como fonte energética, diminuindo sua corpulência e prejudicando sua capacidade de amortecer o impacto (Figura 2).

Após o parto, a densidade do coxim é reduzida, continuamente, até os 120 dias, quando apresenta a sua menor espessura. Este tempo corresponde ao período de maior mobilização de reservas energéticas da vaca, e também é quando ocorre a maioria das lesões podais.

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Figura 2. Relação entre espessura do coxim digital e escore de condição corporal (adaptado de Bicalho e Oikonomou, 2013)

CARBOIDRATOS

A produção de leite de uma vaca dobrou nos últimos 20 anos e, para suportar sua exigência energética, a dieta se tornou extremamente rica em carboidratos rapidamente fermentáveis no rúmen, vindos de fontes como milho, polpa cítrica, entre outros ingredientes. Neste cenário, a relação concentrado:volumoso é elevada, aumentando a chance de acidose ruminal subclínica (períodos em que o pH ruminal permanece em níveis inferiores a 5,5).

As pesquisas mostram que o aumento da relação concentrado:volumoso e a redução da fibra das dietas aumentaram o risco de ocorrência de lesões nos cascos, como as úlceras de sola, número de animais claudicando e duração das afecções nos rebanhos. Esses estudos, junto com as observações de campo, provam que uma dieta rica em carboidratos e baixa em fibra efetiva está associada à ocorrência de laminite. Assim, o cuidado com a formulação da dieta e a adaptação gradual dos animais para o consumo de maiores quantidades de concentrado são essenciais para reduzir o surgimento de lesões no casco.

LIPÍDEOS

Os lipídeos, ou gorduras, constituem parte da substância semelhante ao cemento, responsável por manter o casco hidratado, preservando suas características. Dietas com muitos alimentos conservados podem apresentar um baixo teor de lipídeos e, assim, alterar a estrutura e composição desta substância, favorecendo, por sua vez, as doenças de casco.

Alterações na dieta modificam a composição dos lipídeos armazenados pelo organismo, inclusive no coxim digital. Ácidos graxos de cadeia longa ou curta, saturados ou insaturados, possuem propriedades diferentes, e por isso uma mudança nos lipídeos que compõem o coxim digital poderia acarretar alterações em sua característica. Contudo, até então, não é conhecida qualquer mudança neste sentido que seja capaz de alterar a função do coxim digital para melhor ou para pior.

VITAMINAS E MINERAIS

Macrominerais, microminerais e vitaminas são importantes para a saúde animal como um todo e também exercem forte influência na saúde dos cascos. Eles participam dos processos de queratinização e cornificação, fazendo parte de enzimas essenciais.

A fonte utilizada na dieta é o principal fator determinante da disponibilidade e do aproveitamento dos minerais pelo animal, podendo ter grande influência no processo de formação do casco e em sua qualidade final. Fontes orgânicas são, normalmente, preferíveis. Diversos estudos da literatura internacional apresentam resultados de redução das doenças podais quando utilizados minerais orgânicos. Existe uma grande interação entre os minerais, sendo que, em alguns casos, eles podem atuar sinergicamente e, em outros, como antagonistas. Assim, as pesquisas demonstram que a suplementação de uma combinação de minerais, em vez do incremento de apenas um deles, tende a ser mais benéfica para a saúde do casco devido aos efeitos sinérgicos.

CÁLCIO

O cálcio desempenha um papel fundamental no processo de queratinização e cornificação, por estar envolvido no procedimento de diferenciação das células epiteliais e na ativação das enzimas transglutaminas e epidermal, que realizam as ligações transversais das fibras de queratina, formando o envelope celular. A função deste mineral no organismo está ligada aos seus níveis no sangue e por ele se localizar no espaço intracelular. Este aspecto se relaciona diretamente com a observação de que as doenças de casco ocorrem, principalmente, no terço inicial da lactação, período de maior chance de incidência da hipocalcemia subclínica, que pode atingir prevalências superiores a 70% do rebanho. Esta também pode ser uma das explicações para a formação de estrias e anéis nos cascos após o parto.

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Foto: Os problemas podais são responsáveis por 90% dos casos de claudicação 

ENXOFRE

O enxofre é utilizado pelas bactérias ruminais para produzir aminoácidos sulfurados, que, como dito anteriormente, são necessários para a formação das pontes dissulfeto na molécula de queratina.

ZINCO

O zinco é o componente fundamental das enzimas responsáveis pela produção dos filamentos de queratina, pela interação entre estes na formação das pontes dissulfeto e pela produção de enzimas antioxidantes. Assim, este mineral pode atuar aumentando a taxa de formação e integridade do casco, além de acelerar a cura de lesões.

COBRE

O cobre possui uma gama enorme de funções no organismo. Com relação à formação do casco, participa de atividade antioxidante, na preservação da integridade celular e na formação da queratina, sendo esta a mais essencial.

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Figura 3. Ilustração da comparação entre células do casco com um muro de tijolos: queratinócitos conectados pelo cemento intercelular. (Foto do trabalho Mülling et al. How structures in bovine hoof epidermis are infuenced by nutritional factors, Anat. Histol. Embryol., v. 28, 1999)

SELÊNIO

A função orgânica mais conhecida do selênio é sua participação na enzima glutationaperoxidase, com importante papel antioxidante, protegendo as membranas celulares e garantindo a integridade e as características da substância semelhante ao cemento.

VITAMINAS - BIOTINA

A biotina é, possivelmente, a mais importante vitamina na saúde dos cascos por participar tanto da produção da queratina como na síntese de lipídeos para a formação da substância semelhante ao cemento. Quando há deficiência de biotina, a adesão celular fica comprometida, e é formado um casco de coloração branca, frágil e quebradiço. O efeito da suplementação de biotina, por meio da dieta, na frequência de claudicações e doenças podais, foi alvo de vários estudos, sendo que a maioria descreve um resultado positivo. Eles demonstram redução na prevalência de várias lesões, como hemorragia e úlcera de sola, dermatite digital e erosão do talão. Contudo, os resultados mais expressivos estão relacionado à doença da linha branca, cuja incidência foi reduzida em 45% com a suplementação realizada. Além disso, a suplementação de biotina acarreta aumento do crescimento e da dureza do casco.

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Foto: A formação de anéis indica que durante a constituição daquele casco ocorreu algum processo de estresse ou deficiência nutricional

A flora bacteriana presente em um ambiente ruminal saudável é capaz de produzir biotina, porém, em casos de acidose e/ou em dietas com elevados teores de carboidratos, a sua síntese é reduzida, ressaltando a relação entre acidose ruminal e problemas de casco.

CONCLUSÃO

A nutrição é, sem dúvida, um fator determinante para a saúde dos cascos, uma vez que a sua formação ocorre por meio do metabolismo ativo das células do córium, que necessitam de um suprimento adequado de nutrientes a todo o momento. Com relação às doenças podais, a palavra que poderia melhor guiar as decisões na formulação de uma dieta é equilíbrio. O balanceamento entre os vários nutrientes de uma dieta - carboidratos, proteína, minerais e vitaminas - é essencial, pois tanto o excesso como a falta de qualquer um deles interfere no equilíbrio do organismo e causa prejuízo à qualidade do casco produzido.



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