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Clínica do Leite

Contagem bacteriana total: Entendendo o processo de análise

Contagem bacteriana total: Entendendo o processo de análise

Texto: Laerte Cassoli

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Estamos chegando ao quinto artigo sobre “qualidade do leite” publicado aqui na Revista Leite Integral. Abordamos sobre a IN-51/62, amostragem, monitoramento de fraudes e, na última edição, apresentamos um diagnóstico da qualidade do leite e a sua evolução nos últimos anos. Nesse artigo, iremos olhar um outro lado do monitoramento da qualidade do leite, o das análises laboratoriais, ou seja, o que ocorre dentro do laboratório.

Quando realizamos treinamentos dos transportadores das indústrias, nos procedimentos de coleta de amostras, reforçamos a importância de uma boa coleta para se obter resultados confiáveis. Invariavelmente, sempre algum deles se manifesta com perguntas do tipo: “Mas, e vocês do laboratório, nunca erram?”, “Outro dia o produtor coletou outra amostra, mandou para outro laboratório e o resultado foi totalmente diferente, como pode?”.

A seguir, iremos esclarecer algumas dúvidas quanto a análise de contagem bacteriana total (CBT) e fatores ligados ao processo de análise que podem afetar os resultados. Dentre todas as análises feitas atualmente, talvez a CBT seja a mais crítica, não somente aqui no Brasil, mas também em outros países como veremos a seguir.

 

Como é feita a análise de contagem bacteriana total pelos equipamentos automatizados?

Existem atualmente dois fabricantes no mundo que desenvolveram equipamentos específicos para determinação da contagem bacteriana em leite cru, e que adotam a metodologia conhecida como citometria de fluxo. Essa técnica, consiste na adição de brometo de etídio ao leite, para que o DNA e RNA das bactérias sejam corados. O leite com o corante é injetado num capilar acoplado a um sistema óptico, que recebe, constantemente, um feixe de laser. Ao passar pelo feixe, cada bactéria emite fluorescência, a qual é captada pelo sistema óptico e, com isso, o número de bactérias é determinado (Figura 1).

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A contagem bacteriana, realizada pelo equipamento, é expressa em contagem individual de bactérias (CIB), ou seja, número de bactérias em cada mililitro de leite (CIB/mL de leite).

 

Como é feita a análise de contagem bacteriana total pelo método tradicional?

Um dos métodos mais utilizados para caracterizar a qualidade microbiológica do leite é a contagem bacteriana em placas, também conhecida como contagem padrão em placas (CPP). Por ser um dos métodos mais utilizados e antigo é reconhecido como o método de “referência”. Na CPP, uma alíquota de leite é distribuída em placas com meio de cultura e incubada a 36oC por 48 horas (método analítico oficial do Ministério da Agricultura – MAPA). As bactérias presentes no leite, e que se encontram viáveis, crescem a tal ponto de serem visíveis a olho nu. São as chamadas “colônias”. Com isso, é possível contarmos quantas colônias cresceram e em função do volume da amostra, determina-se a CPP expressa em unidades formadoras de colônias por mililitro de leite (UFC/mL).

No método de CPP, portanto, conta-se colônias e não bactérias. Sabe-se que na maioria das vezes uma colônia é formada por várias bactérias, como mostra o esquema da Figura 2. Nesta placa, por exemplo, existem 15 colônias (números em cinza) formadas a partir de 82 bactérias (números em preto).

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Com base na figura, esta amostra analisada pelo equipamento teria uma contagem bacteriana individual (CBI) de 82 bactérias/mL, enquanto que na contagem padrão em placas o resultado seria de 15 UFC/mL. Fica claro, portanto, que a CBI sempre será superior à UFC, basicamente pelos seguintes motivos:

a) Algumas bactérias podem não crescer na placa e com isso não formam colônias, b) Uma única colônia é formada geralmente por mais de uma bactéria. Mais adiante discutiremos em maior detalhe a relação entre CIB e UFC, mas estudos mostram que a UFC é de 2,5 a 4 vezes menor que a CBI.

 

O que diz a legislação? Deve-se usar a CBI ou UFC?

Como os equipamentos que determinam a CBI são relativamente novos, e a maioria das legislações/padrões foram escritas há muitos anos, adota-se como via de regra a CPP (UFC/mL) para se definir os padrões de qualidade do leite.

A grande maioria dos países da Europa, América do Norte e Pacífico, adotam a medida de UFC/mL, assim como o Brasil. Na IN-62 os limites são definidos em UFC/mL, ou seja, quando dizemos que o leite deverá ter menos que 100.000 para CBT, significa que deve possuir menos que 100.000 UFC/mL. Alguns países, porém, como o Canadá, Noruega e Inglaterra, alteraram a sua legislação e passaram a adotar contagem bacteriana individual (CBI) em seus padrões de qualidade.

Os laboratórios da RBQL do MAPA realizam a determinação da CBT por meio de equipamentos de citometria de fluxo, e os resultados são originalmente expressos em CBI. Como a IN-62 utiliza UFC/mL, os resultados em CBI dos equipamentos precisam ser transformados/convertidos para UFC, tema que será abordado a seguir.

 

Como transformar os resultados de CBI para UFC?

Existem entidades responsáveis por elaborar normas com o objetivo de padronizar os procedimentos analíticos entre diferentes laboratórios e, com isso, alcançar resultados de análise próximos (e tecnicamente “iguais”). É fundamental que uma amostra analisada em um laboratório no Brasil ou na França, por exemplo, possua resultados “iguais” para gordura, proteína, CCS, CBT, etc.

A principal entidade que elabora as normas em análises de leite é a IDF  (International Dairy Federation) que, atualmente, trabalha em conjunto com outra entidade, a ISO (International Organization for Standardization). Especialistas em métodos analíticos formam grupos de trabalho e elaboram as normas para cada tipo de análise e/ou método analítico.

Como a análise de CBT por citometria de fluxo é relativamente nova, somente no ano de 2004 a IDF publicou a IDF-196 (ou ISO 21187). Esta norma define claramente como deverá ser elaborada a equação para transformar os resultados de CBI para UFC.

Basicamente, o documento define que cada laboratório deve desenvolver a sua equação de transformação. Para isso, amostras de leite devem ser analisadas pelo equipamento e, ao mesmo tempo, por meio da contagem padrão em placas. Com isso, é possível criar uma relação entre CBI e UFC e chegar à equação de transformação. Alguns pontos são críticos neste processo:

a) Para ter uma equação de transformação robusta/confiável, deve-se ter pelo menos 400 amostras analisadas pelo equipamento e pela CPP. No caso da Clínica do Leite, por exemplo, adotam-se 600 amostras;

b) A análise de CPP deve ser realizada em laboratórios com competência, ou seja, credenciados/acreditados por órgãos competentes. No caso da Clínica do Leite as amostras são analisadas em laboratório credenciado pelo próprio MAPA.

c) A equação desenvolvida deve ser verificada e atualizada periodicamente. No caso da Clínica do Leite, a cada bimestre, são analisadas cerca de 50 amostras que são incorporadas à equação original, garantindo-se a confiabilidade da mesma. Ao adicionar as 50 amostras mais novas, descarta-se as mais antigas, mantendo sempre as últimas 600 amostras analisadas.

 

Pode haver diferença entre as equações de diferentes laboratórios e com isso os resultados em UFC serem diferentes?

A diferença entre as equações é um tema que ganhou destaque na Europa a partir de 2005, quando o grupo conhecido como NRL (National Reference Laboratories) realizou um levantamento com 17 laboratórios em diferentes países da Europa. Em especial, foi verificada qual era a equação de transformação que cada laboratório havia desenvolvido, e se o laboratório havia seguido as normas da IDF/ISO (196/21187).

O relatório publicado em 2006, mostra que existe grande diferença entre as equações dos laboratórios na Europa.

O gráfico 1 mostra a correlação entre CBI e UFC para diferentes laboratórios.

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Ele demonstra que uma amostra com CBI de 800 mil poderia apresentar resultados entre 40 e 600 mil UFC, dependendo do laboratório em que é analisada. Este é um problema sério e que preocupa todos os envolvidos na cadeia do leite na Europa.

Porém, ao comparar os laboratórios que seguiram a norma IDF/ISO (196/21187) no desenvolvimento das suas equações observou-se que estes apresentaram resultados muito próximos, como mostra o gráfico 2.

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Nele, podemos notar que as variações são bem menores, e que uma amostra com CBI de 800 mil apresentaria resultados variando no máximo entre 100 a 300 mil UFC, sendo que na maioria dos laboratórios, a diferença seria entre 200 e 300 mil UFC/mL.

Respondendo à questão feita inicialmente, pode haver sim grande diferença entre os resultados transformados em UFC, caso os laboratórios não sigam a norma IDF/ISO, que tem como objetivo exatamente padronizar os procedimentos. Por exemplo, no gráfico 2 pode-se observar a equação que foi desenvolvida na Clínica do Leite, seguindo-se a norma IDF/ISO, e que é muito semelhante, sendo que a relação entre CBI e UFC fica ao redor de 2,8 (UFC é 2,8 vezes menor que a CBI).

Atualmente, este tema continua em discussão em vários países. Por exemplo, alguns países estão buscando padronizar as equações entre os laboratórios, desenvolvendo uma equação de transformação nacional. Outros, estão simplesmente alterando seus padrões para que seja utilizada a contagem bacteriana individual (CBI), diretamente, sem necessidade de transformação nos resultados.

 

Considerações finais

Fica evidente a necessidade de se padronizar os procedimentos adotados pelos laboratórios. Se houver a adoção de normas como a IDF/ISO, certamente as diferenças entre os resultados serão minimizadas. Com isso, ganham produtores e indústrias que passam a confiar nos resultados e não mais se preocupar se estão ocorrendo erros ou não.

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