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Manejo, Sanidade

Dermatite vista de perto

As dermatites são doenças que têm origem multifatorial e é praticamente impossível apontar para um único organismo causador.

Dermatite vista de perto

As dermatites são doenças complexas que possuem múltiplas causas, o que dificulta a identificação de um único agente responsável pelo seu surgimento. Todo tipo de agente, seja físico, químico ou biológico, que provoque danos às camadas da derme, causa o aparecimento de reações inflamatórias similares, chamadas de dermatites. As dermatites biológicas podem ter como agentes causadores bactérias, fungos, vírus, insetos e artrópodes, sendo a dermatofilose, dermatofitose e estefanofilariose as mais comumente encontradas a campo. Já as dermatites físicas são normalmente causadas por traumas agudos ou crônicos em determinadas regiões da pele.

  Dermatites físicas

 As dermatites físicas podem ser divididas em agudas ou crônicas. Dentre as agudas, as que assumem maior importância são as que ocorrem por queimaduras solares e por ação do fogo. Nesse ponto, é importante ressaltar que as queimaduras que acontecem pela exposição à luz solar são, em sua maioria, mediadas pela presença de agentes fotossensibilizantes na pele, e serão abordadas futuramente.

  • Queimaduras 

As lesões térmicas ou queimaduras são classificadas de acordo com a profundidade das lesões na pele. Para se compreender a classificação, é necessário fazer um breve resumo sobre as camadas da pele. A epiderme (camada mais superficial da pele) é um conjunto de células queratinizadas estratificadas, sem a presença de vasos sanguíneos, vasos linfáticos e nervos, tem a presença dos melanócitos e que, de acordo com a sua quantidade, determina a pigmentação característica de cada pele e cada animal.

TODO TIPO DE AGENTE, SEJA FÍSICO, QUÍMICO OU BIOLÓGICO, QUE PROVOQUE DANOS ÀS CAMADAS DA DERME, CAUSA O APARECIMENTO DE REAÇÕES INFLAMATÓRIAS SIMILARES, CHAMADAS DE DERMATITES

  A derme é a camada que se situa logo abaixo da epiderme e apresenta pequenos vasos sanguíneos e linfáticos, nervos, glândulas sebáceas e folículos pilosos. Abaixo da derme, podemos observar a presença da hipoderme, formada basicamente por gordura, e ainda mais abaixo, fáscias musculares, órgãos, ossos, outros vasos sanguíneos, linfáticos e nervos maiores. Queimaduras de primeiro grau envolvem apenas as camadas superficiais da epiderme, enquanto as de segundo grau envolvem todas as camadas da epiderme. As de terceiro grau atingem epiderme e derme (Figura 1), e as de quarto grau acometem as estruturas mais profundas citadas anteriormente. 

Os animais com pele e pelagem mais clara são os que mais comumente apresentam lesões causados por exposição à luz solar excessiva (em intensidade ou duração), porém regiões da pele com menor quantidade de pelos, mesmo em animais pigmentados, podem apresentar algum grau de dermatite. Essas lesões causam muita dor ao manuseio e manipulação, sendo de especial importância quando ocorrem próximas aos tetos e na região do úbere, dificultando a ordenha dos animais e aumentando os riscos de mastites. Esse tipo de lesão também tem sua cicatrização prejudicada pela utilização dos agentes de pré e pós-dipping, o que resulta em menor velocidade de recuperação.
As lesões causadas pelo fogo estão associadas a eventos mais importantes do que apenas a dor local. Estresse elevado, desidratação e choque podem ocorrer a partir das lesões iniciais, o que leva a um tempo maior de recuperação, necessidade de cuidados mais intensivos e onerosos e ao estabelecimento de prognósticos desfavoráveis. Ainda, existe o trauma psicológico gerado pelo fogo, o que pode modificar permanentemente o comportamento dos animais que foram atingidos, tornando sua manutenção no rebanho extremamente difícil.
O tratamento de animais acometidos por queimaduras varia em função da severidade das lesões. Nos primeiros momentos, é essencial buscar a retirada completa da causa e reduzir a dor e extensão das lesões. Para isso, é recomendado colocar os animais em locais protegidos e confortáveis, e administrar analgésicos e anti-inflamatórios conforme prescrição veterinária. Além disso, pode ser útil aplicar compressas com água fresca para promover resfriamento e alívio da dor. Casos mais graves exigem fluidoterapia intensiva, administração de antimicrobianos e uso de analgésicos mais potentes, além de cuidados intensivos quanto à alimentação. A avaliação de cada caso é fundamental pois alguns animais não apresentam lesões claras à inspeção inicial e que evoluem com o passar do tempo, piorando o prognóstico e exigindo correções terapêuticas. Pode ser recomendada a eutanásia de alguns animais com lesões muito extensas e com outras doenças concomitantes, devido ao elevado sofrimento e à dificuldade de recuperação. Conhecer profundamente cada caso faz com que se tenha melhores condições de tratá-lo.

OS ANIMAIS COM PELE E PELAGEM MAIS CLARA SÃO OS QUE MAIS COMUMENTE APRESENTAM LESÕES CAUSADOS POR EXPOSIÇÃO À LUZ SOLAR EXCESSIVA  

Figura 1. Búfala com queimaduras de terceiro grau no pescoço e barbela

  • Traumas

 Outras dermatites de origem física culminam com a formação de regiões mais espessadas e endurecidas da pele, que podem ser chamadas de calos ou escaras, quando ulceradas. Traumas repetidos sobre uma determinada área da pele podem não ter grande importância e até diminuir a sensibilidade dos animais para algum manejo específico e necessário, mas quando ocorrem em regiões onde os ossos são mais superficiais e onde existe menor quantidade de tecido para amortecimento e proteção das estruturas internas, problemas consideráveis podem aparecer. Lesões extensas que dificultem a movimentação e comportamento normais devem ser averiguadas precocemente pois podem evoluir para quadros onde a recuperação se faz difícil em função da cronicidade e do comprometimento de músculos, tendões, vascularização e nervos locais. Novamente, o tratamento passa pela retirada dos agentes causadores e tratamento das feridas observadas, de acordo com a sua gravidade.

O TRATAMENTO DE ANIMAIS ACOMETIDOS POR QUEIMADURAS VARIA EM FUNÇÃO DA SEVERIDADE DAS LESÕES  

Dermatites químicas

 As dermatites químicas podem acontecer devido ao contato com agentes irritantes, usados de maneira voluntária ou não, ou como resposta sistêmica a distúrbios localizados em outros órgãos, sendo o fígado o de maior relevância. Sabendo que é necessária uma investigação profunda acerca dos agentes e fatores de risco presentes naquela propriedade e no conhecimento exigido para se diferenciar as lesões observadas e instituir os melhores protocolos de prevenção e tratamento. 

• Fotossensibilização

 A fotossensibilização ocorre quando um agente fotodinâmico se acumula na pele e recebe radiação ultravioleta sufi ciente para gerar inflamação ou uma reação química que libera energia, provocando o aparecimento de queimaduras. Podemos dividir a fotossensibilização em diferentes tipos, de acordo com a origem dos agentes fotodinâmicos: 

a) Tipo I ou primária: ocorre quando o agente fotodinâmico entra diretamente no organismo do animal, por via oral, parenteral ou por contato direto com a pele. A ingestão é o meio mais comum de exposição, estando o agente presente na dieta ou em medicamentos fornecidos pela via oral. Várias plantas produzem agentes fotodinâmicos normalmente, e podem ser consumidas com a dieta ofertada ou em casos de escassez alimentar. No Brasil, já foram descritos casos de fotossensibilização primária pelo consumo de trigo sarraceno (Fagopyrum esculentum), Ammi majus, e Froelichia humboldtiana. Entre os medicamentos capazes de produzir fotossensibilização, destacam-se a fenotiazina, sulfonamidas tetraciclinas e tiazidas.

b) Tipo II ou hepatógena: é o tipo mais comum e ocorre quando um produto normal do metabolismo da clorofila, a filoeritrina, não consegue ser excretada pela bile e se acumula no organismo, onde pode ser ativada pela radiação solar. A falha na excreção está ligada à destruição do tecido hepático ou à obstrução dos canais biliares. Nesses casos, qualquer agente capaz de provocar doenças hepáticas pode levar ao aparecimento de lesões de pele. Várias plantas contêm hepatotoxinas, e dentre elas destacam-se a flor das almas ou senecio (Senecio spp.), crotalária (Crotalaria spp.), lantana (Lantana camara), e Enterolobium sp. Outras plantas contêm saponinas esteroidais, dentre as quais algumas espécies do gênero Panicum têm importância no Brasil. Pode ocorrer também intoxicação por esporidesmina, micotoxina produzida pelo fungo Pithomyces chartarum, organismo saprófito encontrado em várias espécies de plantas utilizadas para pastejo e fenação no Brasil.  

AS DERMATITES QUÍMICAS PODEM ACONTECER DEVIDO AO CONTATO COM AGENTES IRRITANTES, USADOS DE MANEIRA VOLUNTÁRIA OU NÃO, OU COMO RESPOSTA SISTÊMICA A DISTÚRBIOS LOCALIZADOS EM OUTROS ÓRGÃOS

c) Tipo III ou congênita: ocorre quando há um distúrbio congênito na formação do grupo heme, um dos componentes da hemoglobina, que é formado a partir de uma porfirina e de um átomo de ferro. Nesses casos, ocorre o acúmulo de porfirinas na pele, podendo provocar o aparecimento de lesões quando os animais são expostos à radiação ultravioleta. Em animais domésticos, são raros os relatos e os únicos casos descritos são chamados de profiria eritropoiética congênita e protoporfiria eritropoiética congênita, em bovinos da raça Limousin.
A penetração dos raios solares em tecidos dermais que contenham agentes fotodinâmicos provoca morte celular e formação de edema. Esse quadro inicial cursa com elevada irritação e pode progredir para necrose e gangrena, com descamação das regiões afetadas em casos graves. Quando a fotossensibilização ocorre por disfunção hepática, é possível observar associação com quadros neurológicos, chamados de encefalopatia hepática, quando ocorre o aumento dos níveis séricos de amônia, a qual provoca vacuolização na substância branca do encéfalo.
O tratamento da fotossensibilização é simples quando a causa pode ser retirada rapidamente (fotossensibilização primária) e os animais colocados em locais ao abrigo da luz solar. Em casos de fotossensibilização secundária, o grau de lesão hepática considerável faz com que o prognóstico seja de reservado a desfavorável para os animais afetados. Nesses casos, realizar a necropsia dos animais mortos ou eutanasiados para a confirmação do diagnóstico e a avaliação criteriosa das pastagens e alimentos aos quais os animais têm acesso é fundamental para que se previna o aparecimento de novos casos.

Dermatites biológicas

• Dermatofitose e dermatofilose 
A dermatofitose é doença infectocontagiosa ocasionada por fungos, sendo Trichophyton verrucosum que afeta os bovinos. Com sua capacidade de lisar a queratina da pele, esse agente forma áreas de alopecia bem delimitadas, predominantemente circulares, com as bordas levemente avermelhadas. No caso dos bovinos, as áreas mais comuns são ao redor dos olhos, na cabeça, pescoço e dorso.
A dermatofilose é uma inflamação causada pela bactéria Dermatophilus congolensis (Figura 2). Esta bactéria pode fazer parte da flora da pele de animais saudáveis, porém, em períodos que favorecem a imunossupressão, como uma enfermidade primária ou fatores estressantes, ocorrerá uma disbiose desta flora, favorecendo a multiplicação deste microrganismo e o aparecimento da dermatite.

 Quando um animal apresenta um “prognóstico reservado” significa que suas chances de sobrevivência são baixas ou muito limitadas, apesar de todos os esforços terapêuticos. Geralmente, isso acontece em casos de doenças ou lesões graves, onde o tratamento pode ser limitado ou as chances de recuperação são mínimas.

Figura 2. Imagem microscópica de lâmina com amostra de pelo apresentando a bactéria Dermatophilus congolensis

Dermatophilus congolensis gera uma inflamação no folículo piloso do animal, resultando em pelos quebradiços e a formação de “tufos”, semelhante a pincéis (Figura 3). Ao arrancar estes “tufos”, é possível visualizar crostas amareladas e úmidas logo abaixo dos pelos arrancados. Além disso, podemos encontrar secreções purulentas, quando associado a infecção secundária bacteriana.
Tanto a dermatofitose como a dermatofilose não geram altos índices de mortalidade nos rebanhos. Entretanto, não podemos esquecer que a pele serve como uma barreira protetora do organismo e, caso as feridas sejam extensas e não tratadas, este bloqueio será deficiente, favorecendo a entrada de agentes bacterianos secundários, os quais podem agravar ainda mais o quadro e levar o animal a quadros sépticos e, até mesmo, a morte.
O diagnóstico da dermatofitose e dermatofilose é baseado na avaliação dos sinais clínicos e nas características das lesões, mas para a confirmação é necessário realizar análise microscópica, onde é possível observar o fungo ou a bactéria.

 • Estefanofilariose

 Essa dermatite causada por Stephanofilaria stilesi é muito comum nos rebanhos brasileiros, mas facilmente confundida por uma ferida traumática. Esta filária é injetada na pele do bovino através do aparelho bucal da mosca Haematobia irritans, formando inicialmente uma pequena ferida crostosa, com presença de exsudato. Com o passar dos dias, a pele ficará espessada e sem pelos, podendo ou não aumentar de tamanho.

Figura 3. Bezerro com os pelos semelhantes a ponta de pincéis, comum em casos de dermatofilose 

A região ventral do animal, principalmente o úbere das vacas leiteiras são as mais afetadas pela filária e, por ser confundida com uma ferida comum, muitos produtores apenas limpam e usam um repelente de moscas.
O tratamento consiste no uso de produtos tópicos com base de avermectinas, mas deve ser consultado. O tempo de descarte do leite deve ser consultado.

 Em síntese

 Como visto nas páginas anteriores, o termo “dermatite” engloba um enorme espectro de doenças e tipos de lesões. Da mesma forma, o tratamento para cada caso pode ser diferente, sendo recomendada a presença de um veterinário para sanar suas dúvidas e quais produtos são aconselhados. Outro fator importante é descobrir o que está gerando estas lesões e se existe alguma outra enfermidade associada. A partir disto, será possível realizar ajustes na fazenda para reduzir os fatores de risco.



GABRIELA ANTEVELI - Mestranda em Ciência Animal pela EV-UFMG
JOÃO PEDRO MATIELLO - Doutorando em Ciência Animal pela EV-UFMG
TIAGO FACURY MOREIRA - Professor de Clínica de Ruminantes da EV-UFMG


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