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Clínica do Leite

Fraudes na cadeia do leite: Como monitorá-las?

Fraudes na cadeia do leite: Como monitorá-las?

Texto: Laerte Dagher Cassoli

No último artigo sobre qualidade do leite apresentamos e discutimos as 7 perguntas mais frequentes sobre amostragem de leite para monitoramento da qualidade, tanto para atendimento da IN-62 (antiga IN-51), quanto para o pagamento por qualidade. Alguns leitores se manifestaram dizendo que o artigo foi muito esclarecedor, e que muitos apectos sobre a coleta de amostra eram desconhecidos. Nessa edição, iremos abordar um outro tema importante para a cadeia do leite, e um tanto quanto polêmico: fraude. Recentemente, fui convidado a fazer uma apresentação sobre esse tema, aqui na universidade, para um grupo de pesquisadores e estatísticos. Havia um outro palestrante que mostrou como funciona o monitoramento de fraudes em cartão de crédito, utilizando um poderoso sistema de informação (software).  Após a apresentação, fiquei surpreso com a semelhança que existe entre esse sistema e o que temos hoje disponível para monitorar as fraudes na cadeia do leite. O objetivo desse artigo  é apresentar algumas dessas ferramentas de monitoramento de fraude/adulteração na cadeia de leite. Espero que o artigo seja útil, não somente para os profissionais que atuam diretamente nas indústrias e captação de leite, mas também para os produtores. Façam uma boa leitura.

Que tipo de adulteração e fraudes podemos monitorar ?

Iremos apresentar aqui, duas fraudes que podem ocorrer em nossa área. A primeira delas, diz respeito à adulteração do leite pela adição de qualquer substância estranha (por exemplo: água, açucar, urina, uréia, citrato, etc), que pode ser praticada por vários agentes da cadeia produtiva (produtor, transportador, indústria). A segunda, é a fraude que pode ocorrer no monitoramento da qualidade, praticada geralmente pelo agente de coleta, pessoa responsável pelas amostras. Como puderam perceber no artigo anterior, a coleta de amostras é um processo que requer cuidados e tempo. Em alguns casos, esse agente de coleta imagina que todo leite é igual (“é tudo branco”, como dizem alguns por ai) e resolve coletar as amostras de um único tanque, mas para vários produtores. Esse procedimento é o que denominamos “amostras clonadas”. Como podem imaginar, esse é um problema muito sério, visto que teremos resultados completamente errôneos, e que pode afetar o pagamento por qualidade e o atendimento à IN-62.

 

A fraude por adição de substâncias estranhas

Se analisarmos os registros em jornais e na internet vamos notar que a fraude do leite é uma prática histórica, e os primeiros registros são de 1.880, relatando a fraude por adição de água. Com o passar do tempo, as fraudes foram ficando mais “modernas”, com adição de inúmeros outros compostos ao leite. O último grande evento de impacto mundial foi a adição de melamina por produtores chineses, causando problemas de saúde em milhares de crianças, e a morte de algumas delas. A melamina é um composto que, quando adicionado ao leite, aumenta o seu teor de proteína, o que, no caso da China, propiciava aos  produtores o recebimento de bonificação, visto que recebiam por qualidade. Para cada fraude descoberta ao longo dos anos, sempre se desenvolveu uma análise capaz de identificá-la. Hoje, teríamos que realizar algumas dezenas de testes/análises no leite se quisermos de fato monitorar todos os possíveis adulterantes. Além disso, observem que esse é um processo reativo, ou seja, a fraude precisa ocorrer, e ser descoberta, para que depois possamos criar uma nova análise para monitorá-la.

Porém, com o avanço da tecnologia na área analítica, esse cenário vem mudando. Exemplo disso é o equipamento que adota a metodologia chamada de FTIR (infravermelho com transformada de Fourier), e que é utilizada atualmente para realizar as análises de composição do leite (teor de gordura, proteína, lactose, sólidos totais, uréia e crioscopia). O grande diferencial desse equipamento é que podemos “ensiná-lo” a analisar outros compostos. Por exemplo, no caso da Clínica do Leite – ESALQ/USP, realizamos um estudo de 2 anos, em cooperação com pesquisadores da Dinamarca, com o objetivo de criar uma nova análise capaz de identificar fraudes no leite cru, utilizando as amostras que já são enviadas para realização da determinação da composição e CCS.

O leite,  ao ser analisado pelo equipamento FTIR,  recebe um feixe de energia variável. Para essa energia emitida, medimos o quanto dela é absorvida pelo leite. Esse processo de absorção de energia é muito característico e específico do produto que estamos analisando, no caso o leite. O resultado da análise é um gráfico conhecido como “espectro de absorção”, como o exemplo da Figura 1.

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Ao longo de dois anos analisamos leite de mais de 800 fazendas provenientes de três estados e, com isso, criamos um “espectro referência” para leite cru bovino. A partir de então, “ensinamos” ao equipamento que esse seria o espectro esperado para um leite “normal”, não adulterado. Com isso, cada amostra que é hoje analisada tem o seu espectro comparado com o espectro referência. Se houver uma diferença grande entre eles é sinal de que o leite dessa amostra possui compostos que não são comuns ao leite, como ilustrado na Figura 2.

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Para facilitar a interpretação por parte dos usuários, criamos a análise de “Escore de autenticidade” (EA©), um número que indica a diferença entre o espectro da amostra e o espectro de referência.  EA maior que 10 indica uma grande diferença entres eles e possibilidade de presença de substâncias estranhas na amostra.

Como podem notar, o EA não diz qual a substância adulterante e em qual concentração está presente, sendo, portanto, uma análise de triagem/mapeamento.

Por outro lado, a partir de agora as indústrias possuem uma nova ferramenta que passa a trabalhar de forma pró-ativa, ou seja, podendo eventualmente identificar uma nova fraude assim que ela surgir.

Essa análise é realizada na mesma amostra já coletada para as demais análises de composição e CCS (com conservante bronopol) e já vem sendo adotada por mais de 10 indústrias na sua rotina de monitoramento, como uma ferramenta adicional ao controle de qualidade. Ao longo dos últimos 12 meses já foi possível identificar casos de fraude em amostras provenientes de fazendas e também de leite “spot”.

 

Fraude no processo de coleta de amostras – “Amostras clonadas”

Nesse momento, você pode estar se perguntando se esse tipo de fraude é realmente possível. Será que um transportador seria capaz de coletar as amostras em uma única fazenda? Será que isso ocorre com frequência? Como identificar essa fraude?

Se pensarmos que um transportador pode ter, em média, 15 fazendas na sua rota, e que no dia da coleta ele irá gastar pelo menos 10 min a mais em cada uma delas, a rota será extendida por, pelo menos, 2h30 nesse dia. Para fazer uma boa coleta, esse profissional, obrigatoriamente, precisa ser treinado, estar comprometido com o negócio e ter as condições mínimas necessárias para executar o seu trabalho. Sem isso, criamos um ambiente favorável a esse tipo de atitude.

Somente no ano de 2011 a Clínica do Leite realizou 95 treinamentos de capacitação de agentes de coleta com participação de 1.519 pessoas. Durante os treinamentos, sempre mostramos aos transportadores a importância do trabalho deles e os prejuízos que um procedimento inadequado na coleta pode causar para produtor e/ou indústria. Como parte do treinamento, mostramos alguns exemplos de falha de coleta e, entre eles, a “clonagem das amostras”, e como podemos indentificá-la facilmente.

Apesar de “todo o leite ser branco” (nas palavras de muito deles) sabemos que cada fazenda possui um perfil de composição, CCS e CBT. Dificilmente teremos duas fazendas com resultados muito próximos para gordura, proteína, lactose, sólidos totais, crioscopia, uréia, CCS e CBT. Ou seja, por meio do resultado da análise, podemos identificar duas amostras com resultados “iguais”. Até o momento, essa avaliação era visual, ou seja, com o laudo em mãos o gestor da indústria fazia a leitura e, eventualmente, conseguia identificar a fraude. Recentemente, desenvolvemos em nosso software (LeiteStat) um novo relatório que automatiza essa análise por meio de uma avançada lógica matemática. Como pode ser visto no exemplo abaixo (Figura 3), o relatório já exibe os resultados semelhantes com a mesma cor, o que facilita a análise.

Captura de tela 2016-10-07 a?s 13.45.58.png (77 KB)

Vale ressaltar aqui que, tanto as indústrias, quanto os fiscais federais (SIF), possuem acesso aos resultados de análise e relatórios como esses. Dessa forma, esperamos que, a cada dia, fraudes como as mencionadas nesse artigo sejam menos frequentes, pois o que realmente interessa a toda a cadeia e aos consumidores finais é um leite genuinamente de qualidade.

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