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Gestão, Manejo

Tecnologias de precisão

As tecnologias de precisão asseguram o bem-estar do animal, beneficiam o produtor e agradam o consumidor. Entenda como essas inovações favorecem toda a cadeia de produção leiteira.

Tecnologias de precisão

Tecnologias de precisão estão cada vez mais comuns nas fazendas leiteiras do mundo, incluindo as brasileiras. Opções comerciais e que estão em desenvolvimento agregam novas possibilidades para o manejo dos animais e controle da fazenda. Tecnologias de precisão, como colares, pedômetros, brincos eletrônicos, alimentadores automáticos, bolus ruminais e câmeras coletam informações 24 horas por dia, sete dias por semana, de cada animal da fazenda. A adoção de tecnologias, assim como o manejo dos dados gerados por elas, busca otimizar a rotina da operação e o desempenho econômico, ambiental e social da atividade leiteira e, por consequência, aprimorar a qualidade do produto comercializado e controlar os recursos da propriedade, além de impactar positivamente o bem-estar das vacas e bezerros. 

Para manter a sustentabilidade da produção animal, a aceitação do público consumidor é fundamental. Iniciativas da indústria alimentícia com foco nas boas práticas de manejo e administração que promovem o bem-estar animal e a sustentabilidade do negócio têm ganhado força na cadeia leiteira. Por exemplo, nos Estados Unidos há o F.A.R.M. (Farmers Assuring Responsible Management – ‘Produtores que garantem gestão responsável’) e, no Canadá, o proAction (‘proAção’), com o objetivo de promover melhorias contínuas nos cuidados com os animais. 

Esses programas incluem visitas de técnicos que avaliam fatores relacionados aos animais (escores de condição corporal e de locomoção, incidência de doenças, entre outros), ao ambiente (dimensionamento das instalações e ferramentas de aclimatação) e ao manejo (uso de antibióticos, instalações adequadas, métodos de controle de dor e de eutanásia dos animais e qualidade de dados). Tais medidas são fundamentais não só para melhorar o manejo dentro da propriedade, como também mostrar, de forma clara e objetiva ao público, que a indústria alimentícia deseja promover maior confiança entre o consumidor e o produtor. 

Quando pensamos na cadeia do leite, o que vemos no cenário atual é a redução no números de fazendas, o aumento do tamanho dos rebanhos e o maior foco em eficiência produtiva. Os desafios para atingir a produção sustentável – e que se mantenha no mercado – são diversos, e incluem manejos específicos que impactam a rentabilidade e a sustentabilidade da fazenda de leite. Monitoramento da nutrição, identificação de cio e de animais doentes são alguns desafios diários dos produtores de leite. Porém, por meio do uso de tecnologias de precisão, é possível traduzir ao produtor os status fisiológico, nutricional e comportamental dos animais, bem como facilitar a tomada de decisão na propriedade. 


INFORMAÇÃO É PRECAUÇÃO

Quando falamos em bem-estar animal e desempenho de bezerras leiteiras, um dos desafios enfrentados pelos produtores é a alta incidência de doenças. Com essa adversidade em vista, tecnologias de precisão, como alimentadores automáticos de leite e medidores de atividade (pedômetros, brincos eletrônicos e colares) são opções já adotadas por produtores que buscam otimizar a identificação dos animais que representam maior vulnerabilidade no rebanho.

  Foto 1. Bezerra em alimentador de leite automático instalado na Universidade de Kentucky

Os alimentadores automáticos, além de servirem leite (alguns modelos também disponibilizam concentrado), são capazes de identificar os indivíduos por meio de brincos dotados de radiofrequência e medir o consumo de leite a cada visita, ao longo do dia. Já os pedômetros podem mensurar a atividade e o tempo em que as bezerras permanecem deitadas, em pé, ativas ou inativas. Assim, a avaliação dos dados coletados pelo alimentador automático e pelos medidores de atividade permitem a realização de manejos específicos, o monitoramento e a intervenção nutricional dos indivíduos, bem como a identificação precoce dos doentes e o acompanhamento da eficácia dos tratamentos com antibióticos. 

Em estudo conduzido no Dairy Science Program, da Universidade de Kentucky, pesquisadores compararam o comportamento e o consumo entre bezerras saudáveis e bezerras que apresentavam doença respiratória. De acordo com os resultados, as doentes apresentaram menor consumo de leite e de concentrado, dias antes da detecção da doença pelos colaboradores. Além disso, foi observado que as bezerras afetadas por doenças  respiratórias passaram mais tempo deitadas, foram menos ativas e levantaram menos vezes, quando comparadas às não afetadas, até seis dias antes do diagnóstico. Nesse estudo, o progresso de algoritmos para a detecção de doenças forneceu a possibilidade de intervir precocemente nos animais que apresentaram alteração de comportamento associada ao desenvolvimento de doenças. 

Em experimento subsequente, também foi avaliado o oferecimento de sucedâneo de colostro por três dias consecutivos para bezerras classificadas como “em risco de desenvolvimento de doença respiratória”. Conforme as análises, houve redução da incidência de doenças respiratórias para o grupo que recebeu o suporte nutricional. Ainda que parciais, os resultados obtidos no estudo são modelos para os algoritmos das futuras tecnologias de precisão. 

Além do grande impacto das tecnologias de precisão na detecção e no manejo de doenças, é importante ressaltar que também podemos utilizá-las para aumentar o monitoramento do bem-estar animal na propriedade leiteira. Por exemplo, a adoção de alimentadores automáticos permite utilizar planos robustos de nutrição durante a fase de cria. Ao possibilitar acesso constante ao leite e, por consequência, maior ingestão de dieta líquida diária, maiores ganhos de peso podem ser obtidos, de forma a promover desaleitamento gradual e maior consumo de concentrado durante a transição para a dieta sólida. Ao mesmo tempo, a manutenção das bezerras em grupos possibilita a expressão de comportamentos naturais, com formação de vínculos sociais e aprendizado coletivo, além de favorecer o uso de objetos de enriquecimento ambiental, como escovas e bolas. Ao monitorar a socialização e o uso desses objetos, é possível utilizar os dados para manejar o número de animais no grupo, a disponibilidade de recursos (número de bebedouros, alimentadores, escovas) e, possivelmente, detectar mudanças comportamentais que possam estar associadas à incidência de doenças. Apesar de todo o exposto, ainda temos muito o que pesquisar e aprender sobre o uso das tecnologias para mensurar o estado afetivo e o comportamento social das bezerras, bem como a relação desses aspectos com a sanidade e o bem-estar animal. Mas, e as vacas? Como as tecnologias de precisão podem ser aplicadas ao monitoramento da qualidade de vida dos animais em produção?


NOVIDADES ÀS QUE PRODUZEM

Quando pensamos nas vacas em lactação, reconhecemos desafios semelhantes aos com os bezerros, mas ainda enfrentamos os problemas de detecção de cios e partos, a falta de consistência da dieta consumida e a dificuldade operacional para realizar a ordenha. Pensando nos dois últimos desafios citados, produtores adotaram misturadores, empurradores automáticos de dieta e ordenha robótica, mas os detalhes da aplicação dessas ferramentas ficam guardados para um artigo técnico futuro. Por ora, abordaremos as tecnologias desenvolvidas para o monitoramento do comportamento, como os colares, brincos eletrônicos e pedômetros, além do potencial uso de tecnologias recentes e pouco difundidas, como câmeras 3D, bolus ruminal e chuveiros automáticos. 

Brincos eletrônicos e colares são capazes de mensurar o tempo em que a vaca dispende comendo, ruminando, em atividade ou em repouso. Já os pedômetros medem quanto tempo os animais passam em pé ou deitados, além de registrarem o número de passos dados. A principal aplicação associada às ferramentas é a detecção do cio, momento em que a vaca apresenta aumento da atividade. 

A identificação do cio ainda é o carro chefe do uso desses dispositivos, porém eles também podem ser utilizados para a detecção de doenças. Por exemplo, em estudo realizado na Universidade de British Columbia, no Canadá, os pesquisadores reportaram que as vacas que apresentaram metrite no pós-parto passaram menos tempo deitadas e comendo durante o período pré-parto. Ao mesmo tempo, sabe-se que mudanças comportamentais estão associadas a outras doenças, como mastite, deslocamento de abomaso e cetose. Ainda, em estudo realizado na Universidade de Kentucky, foi demonstrado que os animais apresentaram picos de atividade e declínios na ruminação nas 24 horas que antecederam o parto. Ao detectarmos mudanças comportamentais que antecedem o parto, podemos nos antecipar às distocias e otimizar o manejo de colostragem dos neonatos na propriedade.

Além das aplicações mencionadas, as tecnologias podem ser indicadores do bem-estar das vacas. É possível, ainda, utilizarmos dados individuais para construirmos visão mais ampla do bem-estar do rebanho. Por exemplo, o tempo em que as vacas passam em repouso é considerado indicador de bem-estar na propriedade, pois depende não só do sistema de produção (pasto ou confinamento), mas também do nível de conforto, da disponibilidade de espaço para o animal e do manejo. Por esse motivo, declínio no tempo de repouso dos animais podem indicar necessidade de ajustar a densidade de animais no galpão, a limpeza e o conforto da cama ou, até mesmo, o manejo de ordenha, para que os animais passem menos tempo em pé na sala de espera. De forma semelhante, os tempos de alimentação e ruminação podem sinalizar variação na dieta, competição no cocho e/ou estresse térmico. Os parâmetros relatados são tão poderosos que são utilizados pela Tesco, uma das maiores redes de supermercados britânicas, na busca por produtos oriundos de fornecedores que respeitam o bem-estar dos animais de produção. 

Câmeras 3D e bolus ruminais estão sendo estudados como ferramentas adicionais ao monitoramento e manejo de bem-estar do rebanho. A adoção da câmera 3D tem potencial para aumentar a consistência dos dados de escore de condição corporal e a detecção de claudicação, de forma a reduzir variações nas avaliações conduzidas por colaboradores ou Médicos Veterinários. Já os bolus ruminais podem mensurar acidose ruminal aguda/ subaguda e auxiliar nas tomadas de decisões preventivas ou corretivas, como a reformulação da dieta, a utilização de probióticos, dentre outras. 

Não é de hoje que reconhecemos o estresse térmico como fator que atinge a produção e o bem-estar dos animais. A partir dessa premissa, nosso grupo desenvolveu um chuveiro ativado por radiofrequência, de uso voluntário, para animais em risco de estresse térmico. Vacas de leite, assim como nós, têm diferentes tolerâncias ao calor, o que justifica a necessidade de disponibilizar ferramentas que funcionem como oportunidade para os animais reduzirem a carga térmica, de maneira individualizada e não somente na linha de cocho ou na sala de espera, como normalmente é realizado. 

Foto 2. Vaca utilizando o sistema de banhos automáticos, em propriedade nos EUA

Ao providenciarmos acesso livre ao chuveiro, percebemos que as vacas procuravam os banhos com maior frequência quando a temperatura do ambiente aumentava. Ainda, constatamos que ao utilizarem o chuveiro mais vezes, elas passaram mais tempo ruminando. No entanto, apesar do enorme potencial, ressaltamos que a tecnologia de resfriamento individual – e muitas outras com o potencial para melhorar a saúde e o bem-estar de animais leiteiros – ainda está em fase de pesquisa e desenvolvimento. Fato é que avanços em ferramentas para auxílio na tomada de decisão na propriedade rural são vistos com bons olhos por pesquisadores, consultores e produtores. Mas, o que pensam os consumidores? Será que têm uma percepção positiva quanto ao uso de tecnologias nas propriedades rurais? 


A PERCEPÇÃO DE QUEM INTERESSA 

A geração de dados confiáveis, de fácil acesso e interpretação clara, é fundamental para que o produtor reconheça a aplicação das ferramentas tecnológicas. Mas, nesse cenário, é também essencial compreender a percepção dos consumidores quanto aos avanços das tecnologias empregadas na produção animal, pois é ela que sustenta o mercado, embora seja pouco explorada nos estudos sobre o assunto. 

Resultados de pesquisas nas quais a percepção do público foi avaliada indicaram que os consumidores de países europeus apresentaram aceitação positiva ao uso de tecnologias, quando compreenderam os benefícios ao animal. Tendo isso em vista, nosso grupo de pesquisa iniciou um projeto com o objetivo de avaliar a opinião dos norte-americanos (e, futuramente, dos brasileiros) sobre a adoção de tecnologias na pecuária leiteira. O trabalho encontra-se em fase inicial e foi proposto para melhorar a futura visibilidade social das tecnologias no nosso setor. 

Sobre temáticas que envolvem manejos de rotina nas fazendas, como separação do bezerro da mãe, mochação e acesso ao pasto, pesquisadores revelaram que a aceitação ou rejeição por parte dos consumidores se baseou em quanto as práticas afetaram o comportamento natural dos animais. É importante estudar as limitações e oportunidades que a adoção de cada dispositivo agrega ao público, pois a visão negativa dos consumidores – e também daqueles que não consomem produtos de origem animal – pode afetar a cadeia como um todo. A rastreabilidade, por exemplo, conceito empregado na cadeia da carne e adotada por alguns laticínios, pode ser alternativa para aumentar a confiança dos consumidores de proteína de origem animal. 

As tecnologias de precisão têm o potencial de aprimorar como mensuramos e interpretamos o comportamento animal, transformando informações em ações diretas que terão, como resposta, impacto positivo nos índices da propriedade e no bem-estar dos animais. A ausência de validação de algumas tecnologias, os erros na interpretação de dados e o acesso limitado à internet são desafios já enfrentados por pesquisadores, produtores e consultores atuantes no meio rural. Ademais, não podemos ignorar fatores sociais de grande relevância, como a visão dos consumidores e da indústria alimentícia.


NO FIM DAS CONTAS 

A adoção de tecnologias de precisão na pecuária leiteira agrega oportunidades em curto e longo prazos. Em curto prazo, a detecção e o tratamento precoce contra doenças, de forma individual, entregam ao produtor informações essenciais sobre comportamentos chaves identificados como fatores de risco sanitário. Em longo prazo, é possível vislumbrar redução nos índices de mortalidade e morbidade do rebanho e aumento do bem-estar animal. É importante ressaltar que, para o aprimoramento dessas tecnologias, a opinião do produtor sobre investimentos nos dispositivos e formas de transmissão dos dados obtidos é primordial. Quando se pensa na modernização dos sistemas de produção animal, a percepção dos consumidores que ditam a demanda dos produtos deve ser foco de interesse. Tudo isso significa que conciliar a visão do público, mercado e produtor quanto às inovações tecnológicas e suas vantagens ao conceito do bem-estar animal está na conta dos pesquisadores dedicados a aprimorar ou criar dispositivos que contribuem com o avanço da cadeia de produção de leite.  


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