Ultrassonografia e doenças respiratórias: monitoramento e diagnóstico

A ultrassonografia em bovinos é utilizada há muitos anos e começou a ganhar popularidade na década de 1980. No início, a técnica era utilizada principalmente para a reprodução, auxiliando o Médico Veterinário no diagnóstico de gestação mais precoce e, por consequência, permitindo aumento na eficiência do manejo reprodutivo na fazenda. 

Atualmente, a ferramenta é de grande importância para o diagnóstico precoce e monitoramento de doenças que acometem rebanhos de leite e corte. Inclusive, o mesmo aparelho de ultrassonografia utilizado para a avaliação do sistema reprodutivo pode ser aproveitado para o exame de outros sistemas. 

A ultrassonografia, técnica de diagnóstico que utiliza o eco das ondas sonoras de alta frequência para gerar imagens, possui como principal vantagem à Medicina Veterinária aplicada aos grandes animais a facilidade de operação a campo, atribuída à possibilidade do uso de aparelhos portáteis. No caso de outras técnicas de diagnóstico por imagem, como radiografias e tomografias, há restrições por tamanho dos equipamentos, custos, requisitos anestésicos e potencial de exposição à radiação. Além disso, com custo relativamente baixo, a ultrassonografia permite a avaliação não invasiva de várias estruturas, com imagem em tempo real e em movimento, muito útil para a avaliação dos sistemas digestório, respiratório e cardiovascular, por exemplo. 

No sistema respiratório, a ultrassonografia torácica pode ser utilizada para a obtenção do diagnóstico precoce de pneumonias, incluindo a identificação de quadros subclínicos, tanto em animais adultos quanto jovens. As lesões pulmonares alteram os padrões ultrassonográficos que serão visualizados, de forma a permitir a identificação de quadros de pneumonia, mesmo em animais que não apresentam sinais clínicos respiratórios exacerbados. Ao identificar doenças do trato respiratório inferior, o exame ultrassonográfico possibilita diferenciá-las das doenças que acometem as vias aéreas superiores. Além disso, o diagnóstico precoce é  determinante ao sucesso do tratamento de doenças respiratórias, bem como o exame ultrassonográfico pode ser utilizado para verificar a eficácia desse tratamento, a partir da comparação da evolução do quadro e da lesão antes e após a sua implementação. O diagnóstico precoce e a avaliação da eficácia do tratamento, por sua vez, permitem a redução do uso de antibióticos, visto que, quanto mais cedo é iniciado o tratamento com a base de antimicrobiano correta, menores são as chances de recidivas. Além da economia por redução do custo com  medicamentos, o uso racional de antibióticos é preconizado por questão de saúde pública, na tentativa de minimizar a chance da seleção de microrganismos multirresistentes. 

Imagem 1. Avaliação do sistema respiratório de bezerra, por meio de equipamento ultrassonográfico (Foto de João Paulo Andrade).

Contudo, mais do que apenas para a confirmação de diagnóstico, a ultrassonografia torácica é ferramenta valiosa para o monitoramento de doenças respiratórias em bezerros: ela permite avaliar se as medidas de controle e prevenção, bem como os métodos de triagem e diagnóstico de doenças respiratórias estão sendo eficazes. Existem sugestões para o monitoramento de bezerros e a decisão da melhor estratégia depende da situação da propriedade, podendo ser feito o exame estratégico de grupos de risco e em idades chave (como o grupo em desaleitamento, por exemplo) ou, ainda, de acordo com a quantidade de animais, a seleção de bezerros pode ser aleatória, para a realização do exame em unidades representativas do rebanho. Dessa maneira, é possível determinar a porcentagem de animais que possui lesão pulmonar e identificar em qual faixa etária o problema é mais grave. Essa medida auxilia na busca dos fatores de risco que podem levar ao aumento da incidência da doença respiratória em determinada categoria animal.

Um exemplo de programa de monitoramento para bezerros leiteiros, sugerido por pesquisadores da Universidade de Wisconsin (EUA), é o programa #WeanClean™ (Tabela 1), que se baseia na estratégia de quatro pontos para identificar possíveis falhas no diagnóstico e tratamento de doenças respiratórias, além de detectar momentos críticos para a ocorrência nos animais em aleitamento:

Tabela 1. Programa de quatro pontos sugerido por pesquisadores da Universidade de Wisconsin 

Para além da importância no monitoramento e confirmação do diagnóstico, a ultrassonografia torácica tem o potencial de auxiliar na determinação do prognóstico de pneumonias em bovinos. A partir dessa possibilidade, pesquisadores mensuraram a extensão das lesões pulmonares identificadas pelo exame ultrassonográfico, especialmente em bezerros, e apontaram relação entre presença/tamanho das lesões e sobrevivência, produtividade e desempenho futuros dos animais acometidos. 

Possíveis limitantes para a implementação rotineira da ultrassonografia torácica nas fazendas são o custo para aquisição do aparelho e o fato da técnica requerer Médicos Veterinários treinados para executá-la. Entretanto, as lesões avaliadas para o diagnóstico e a determinação da gravidade dos quadros de pneumonias são de identificação relativamente simples, com pouca margem de variação na interpretação das imagens geradas pelo aparelho. Assim, a unanimidade do diagnóstico feito por diferentes avaliadores é, geralmente, muito alta. 

Deve-se ressaltar que a ultrassonografia é uma ferramenta de apoio ao diagnóstico de doenças respiratórias, não devendo, portanto, ser a única utilizada para essa finalidade. A avaliação de parâmetros clínicos – como presença de febre, secreção nasal, tosse e dificuldade respiratória – é essencial e deve ser treinada por colaboradores. Juntos aos Médicos Veterinários, esses devem atuar em favor do sucesso das medidas de controle e da manutenção do trabalho desenvolvido. Além disso, a necropsia de animais com óbito por enfermidades respiratórias não pode ser negligenciada, pois é excelente ferramenta para a confirmação do diagnóstico dessas doenças. 

Por fornecer diagnóstico precoce, maior eficiência nos tratamentos, redução dos gastos com medicamentos, redução da mortalidade e da porcentagem de animais com doenças crônicas, a adoção da ultrassonografia deve ser parte da discussão que aborda o uso de novas tecnologias na produção leiteira brasileira. Ainda que não substitua os exames clínicos/complementares, a validação da técnica ressaltou a viabilidade de mergulhar de vez nas ondas da ultrassonografia aplicada à identificação precoce e monitoramento das doenças respiratórias em bovinos.