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Sanidade

Vacinas e vacinações: programa para animais jovens

Vacinas e vacinações: programa para animais jovens

Texto: Ana Paula Peconick

Imagem: Alf Ribeiro / Shutterstock.com

Após o parto, o bezerro recém nascido sai de um ambiente estéril e entra em contato com um grande número de micro-organismos, muitos dos quais perigosos para sua saúde. Nesse momento, a resposta imune pode ser demorada e ineficaz. Para evitar o desenvolvimento de diversas doenças e para a construção de memória imunológica, duas estratégias devem ser empregadas - a administração de colostro e o uso de vacinas, respectivamente.

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Introdução

Ao nascimento, os órgãos de defesa dos bezerros estão completamente formados. O sistema imune, responsável pela proteção do animal, se desenvolve no início da vida fetal, mas na prática demora algum tempo para se tornar completamente funcional. Após o parto, o recém nascido sai de um ambiente estéril e entra em contato com um grande número de micro-organismos, muitos dos quais perigosos para sua saúde. O manejo adequado com recém-nascidos e animais jovens é essencial para a sobrevivência e qualidade da vida adulta.

O sistema imune dos mamíferos divide-se em natural e adquirido. A resposta imune natural representa a linha de defesa inicial contra micro-organismos, consistindo em mecanismos de defesa celulares e bioquímicos que já existiam antes do estabelecimento de uma infecção, e que estão programados para responder rapidamente. A resposta adquirida, ao contrário, é estimulada pela infecção, cuja magnitude e capacidade defensiva aumentam com exposições posteriores a um agente invasor em particular. As principais características da resposta adquirida referem-se à capacidade de reconhecer o agente invasor de forma específica e desenvolver uma memória imunológica contra o mesmo e, em uma infecção subseqüente, responder de forma mais rápida e eficaz.

No primeiro contato dos bezerros com os mais diversos agentes infecciosos a resposta imune pode ser demorada e ineficaz. Para evitar o desenvolvimento de diversas doenças e para a construção de memória imunológica, duas estratégias devem ser empregadas - a administração de colostro e o uso de vacinas, respectivamente.

 

Imunidade Passiva

Imunidade passiva refere-se à transferência, de forma natural ou artificial, de elementos da imunidade adquirida de um organismo doador para um receptor, com vistas a estabelecer um estado de proteção a determinados agentes agressores no indivíduo receptor, de forma mais rápida que a resposta de seu próprio sistema imune adquirido. A transferência passiva de anticorpos, importantes moléculas protetoras, pode ocorrer pela placenta da fêmea gestante ou pela ingestão do colostro nas primeiras horas de vida do filhote.

A placenta das vacas é denominada sindesmocorial, na qual o epitélio coriônico fica em contato direto com os tecidos uterinos. A implicação desse tipo de placenta para as defesas do feto bovino refere-se ao fato de ocorrer bloqueio total da transferência de anticorpos, o que aumenta a importância do colostro para esses animais. Embora a transferência de proteção de forma passiva, por meio do colostro, seja rápida, ela não promove o desenvolvimento de memória no sistema imune.

 

Imunidade Ativa

A colostragem é muito importante e deve ser praticada com cuidados como, por exemplo, fornecer aos filhotes colostro de qualidade nas primeiras horas de vida. Contudo, mesmo os animais amamentados corretamente com o colostro não estarão protegidos a médio e longo prazo contra as enfermidades que foram protegidos inicialmente. Para uma proteção mais duradoura é necessário o estabelecimento da imunidade ativa, que é induzida pela exposição a um agente infeccioso de forma natural ou artificial, gerando memória protetora. A forma natural refere-se ao contato direto com o agente infeccioso que, principalmente no caso de animais jovens, pode levar ao desenvolvimento de doenças e até ao óbito. A melhor estratégia de promover a imunidade ativa é de forma artificial, pelo uso de programas de vacinação.

De forma simplificada, a definição de vacinas é uma preparação de agentes patogênicos, muitas vezes combinados com adjuvantes, que é administrada aos indivíduos para induzir uma imunidade protetora contra infecções. Adjuvantes são substâncias distintas do agente patogênico, e possuem a função de potencializar o efeito da vacina.

 

Programas de Vacinação

Quando se trabalha com animais de produção, como bovinos, estabelece-se a ideia de imunidade de rebanho, esperando-se a resistência do grupo à introdução e disseminação de um agente infeccioso. O objetivo do estabelecimento de programas de vacinação é a prevenção de doenças no rebanho pela imunização.

Programas de vacinação são planejamentos do controle de doenças que podem ser prevenidas por vacinas, por meio do estabelecimento de normas e parâmetros técnicos para a utilização das mesmas. E esse programa pode ser estratificado pela idade, sexo e atividade pecuária principal dos animais (leite ou corte, por exemplo).

O programa de vacinação para animais jovens adquire grande importância devido à pouca proteção que esses animais possuem, principalmente quando os níveis de anticorpos fornecidos pelo colostro começam a diminuir.

Como já informado em artigos anteriores da série “Vacinas e Vacinações”, não existe um programa de vacinação universal. Cada região possui sua história de enfermidades e controle das mesmas, e suas particularidades da presença ou ausência dos diferentes agentes patogênicos. Para se definir um programa de vacinação adequado devem-se determinar as particularidades do local (clima, vegetação), dos animais (origem, raça, predisposição genética), histórico de vacinações, incidência e prevalência de doenças, medidas de manejo adotadas (biosseguridade), sistema de criação, em outras palavras, a situação epidemiológica da propriedade. Essas observações são feitas com o auxilio do médico veterinário e do zootecnista. No programa de vacinação devem ser incluídas ainda as vacinas obrigatórias segundo a legislação em vigência estabelecida pelos programas oficiais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e programas oficiais estaduais. O programa de vacinação deve ser monitorado e modificado com a mudança do perfil da propriedade e a obrigatoriedade de novas vacinas.

 

Cuidados com as vacinas

Os principais cuidados com as vacinas referem-se a dose, intervalos programados, acondicionamento, via de aplicação e validade. O uso de sub-dose ou super-dosagem provoca tolerância, ou seja, uma ausência de resposta que não confere proteção aos animais.

Os intervalos são estabelecidos de acordo com a necessidade para manutenção de células de memória no animal vacinado, sendo que cada vacina exige um intervalo diferente de reforço vacinal.

A maioria das vacinas ainda precisam ser acondicionadas refrigeradas, normalmente entre 2 a 8 ºC, para manutenção de suas propriedades bioquímicas.

Cada vacina foi desenvolvida para ser administrada por uma via, seja subcutânea, intramuscular ou oral. A aplicação por uma via não recomendada pode não conferir proteção ou, em situações mais graves, machucar ou matar o animal. As vias de aplicação devem ser observadas no rótulo ou na bula das vacinas.

Muitas vacinas são constituídas de micro-organismos vivos atenuados, e se não forem respeitados os prazos de validade a eficácia diminui e ainda existe a possibilidade de reversão de patogenicidade, o que remete à introdução de infecção no rebanho ao invés de proteção.

Para uma vacina receber autorização de ser comercializada, muitos estudos são feitos e os protocolos para a utilização dessas já estão definidos. Assim, a melhor dica para o uso correto de vacinas é seguir as recomendações do fabricante e, em questões particulares, a recomendação de um médico veterinário.

Outra questão importante no estabelecimento do programa, também já discutido em artigos da serie “Vacinas e vacinações”, refere-se aos fatores que interferem no sucesso ou falha vacinal. No caso de animais jovens, se os mesmos não estiverem bem nutridos, com verminoses ou outras infecções concomitantes, a probabilidade de não ocorrer proteção vacinal aumenta consideravelmente. O organismo do filhote possui um grande gasto enérgico para se desenvolver e combater os mais diversos parasitos, e a construção de memória imunológica não é prioridade frente a esses fatores, por isso ocorrem falhas no manejo de imunização. O estresse também influencia negativamente no processo de imunização, e animais jovens são naturalmente mais sensíveis a situações de estresse, principalmente decorrentes de manejo inadequado.

Uma questão na adequação dos programas de imunização, principalmente de animais jovens nos quais a prevalência de helmintos é maior, é sempre realizar a vacinação em animais previamente tratados contra as verminoses. O sistema imunológico dos animais responde de forma especializada a diferentes agressores. O perfil de defesa contra helmintos é diferente do que se espera na produção de memória da maioria das vacinas, portanto se o sistema imune está lutando contra parasitos, porque os animais não foram vermifugados, a eficácia vacinal diminui.

No intestino dos mamíferos existem estruturas organizadas de tecidos linfóides, que são responsáveis pela ativação da resposta imune local e, em animais recém-nascidos, esses tecidos respondem mais rapidamente às subunidades vacinais administradas por via oral. Portanto, é uma boa alternativa inserir no programa o uso de vacinas orais, embora no Brasil, a disponibilidades desse tipo de produto para bezerros ainda seja muito restrita.

Outro cuidado, exclusivo aos animais jovens, refere-se à interferência que os anticorpos maternos recebidos por meio do colostro podem promover, impedindo que o bezerro desenvolva sua própria resposta. Os anticorpos maternos podem neutralizar a replicação de um micro-organismo utilizado na vacina viva ou mascarar o seu reconhecimento, impedindo a sensibilização de células de defesa e da construção de memória. Consequentemente, animais muito jovens podem ser incapazes de responder a uma imunização ativa, principalmente com algumas vacinas virais vivas. Vale lembrar que essa situação é dependente da concentração relativa de anticorpo materno e da dose administrada da vacina. Em bezerros que mamaram e possuem anticorpos maternos, a síntese dos seus próprios anticorpos não se inicia antes da quarta semana de idade. O período de proteção mais crítico nos animais refere-se ao momento em que o título de anticorpos maternos está diminuindo, não conferindo mais proteção, mas ainda são suficientes para prejudicar os produzidos pelo próprio filhote depois da vacinação. Esse período é denominado de janela da vulnerabilidade ou janela imunológica.

A vacinação das vacas, para que o colostro seja mais rico em anticorpos específicos, pode ser uma ferramenta auxiliar de manejo, visando à redução das diarréias neonatais, especialmente aquelas causadas por E.coli.  Recomenda-se aplicar a vacina contra diarréia neonatal bovina em vacas no oitavo mês de gestação, com revacinação após três semanas. Algumas vacinas ainda serão indicadas para serem administradas antes do período de monta (contra rinotraqueite infecciosa bovina ou contra diarréia viral bovina, sessenta dias antes da monta).

Como consequência dos anticorpos maternos inibirem a produção de anticorpos neonatais, pode-se não ter sucesso na imunização de bezerros com vacinas convencionais. Essa inibição pode persistir por meses. Os anticorpos maternos contra a diarréia viral bovina, por exemplo, podem persistir por até 9 meses em bezerros. A vacinação prematura não será eficiente nesses animais. A eficiência das vacinas aumenta progressivamente depois dos primeiros 3 meses de vida. Se não for contra a legislação, deve-se optar por não vacinar os bezerros antes de 3 a 4 meses de idade, e aplicar 1 ou 2 reforços a intervalos de 4 semanas, seguindo recomendações do fabricante da vacina e orientações do médico veterinário. Se por questões emergenciais ou sanitárias, ou para seguir um programa específico da propriedade, os animais forem vacinados antes dos 4 meses de idade, um reforço vacinal poderá ser administrado aos 6 meses ou após o desmame. Entretanto, é importante ressaltar que algumas vacinas precisam ser administradas nos bezerros ainda muito jovens porque a incidência ou a gravidade de algumas doenças são maiores antes dos três meses. Um exemplo é a vacina contra paratifo que, além de ser administrada na vaca com 8 meses de gestação, deve ser aplicada nos bezerros com 3 semanas de idade  e com reforço 21 dias depois.

De acordo com a forma como as vacinas são produzidas, elas podem ser classificadas em vacinas vivas atenuadas, vacinas inativadas, vacinas de subunidades, vacinas recombinantes e vacinas de DNA. Algumas vacinas recombinantes e vacinas de DNA são capazes de sobrepor a imunidade materna, dependendo da infecção.  Essa informação está disponível na bula e é determinada por estudos científicos.

Algumas recomendações do MAPA devem ser inseridas na formulação do programa de vacinação de animais jovens.  O MAPA estabelece o calendário nacional de vacinação da febre aftosa para todo o rebanho, buscando os períodos adequados para cada estado. Para as outras vacinas, os calendários são estipulados conforme as secretarias estaduais de agricultura, nas unidades da federação.Os animais nascidos após a vacinação anual do rebanho deverão ser vacinados contra raiva quando atingirem a idade recomendada de quatro meses. O reforço dessa vacina não precisa ser aos 6 meses, podendo ser feito juntamente com a próxima vacinação anual de todo o rebanho. O ministério permite que os estados criem sua própria legislação sobre a necessidade de vacinação compulsória e sistemática em áreas consideradas de risco, baseando-se no modelo anterior. A vacina contra brucelose (B19) é aplicada somente uma vez, em bezerras com idade entre 3 a 8 meses, por profissionais autorizados. Os animais com 6 meses de idade também poderão ser vacinados contra o carbúnculo sintomático (manqueira), e um reforço será administrado a cada semestre. Vacinas contra a enterotoxemia e gangrena gasosa devem seguir o mesmo protocolo do controle do carbúnculo, quando necessárias. A vacina que previne o botulismo poderá ser administrada no quarto mês de vida, com reforço após quarenta dias e repetição anual. A vacina contra pasteurelose normalmente é administrada nos bezerros alguns dias antes da desmama, com reforço anual. Todos os animais devem ser vacinados contra leptospirose de acordo com os sorotipos prevalentes na região.

Conclusões

Procedimentos preventivos, como as vacinas, são sempre mais rentáveis do que os de cura, principalmente se bem planejados.

Não há a necessidade de vacinar os bezerros contra todas as vacinas existentes no mercado para animais jovens. Um programa vacinal terá grandes probabilidades de sucesso se forem feitas as análises da situação da propriedade, definidos os cuidados com os animais e as vacinas, o monitoramento do programa e a flexibilidade para alterar o mesmo segundo necessidade.

O investimento econômico no estabelecimento de programas vacinais para animais jovens é compensado pelo status sanitário que o rebanho adquire, uma vez que a interferência na base da cadeia produtiva define todas as perdas e lucros futuros. 

 

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